sábado

O Fim dos Livros Encadernados


Após alguns instantes na livraria, no qual se viam poucos livros dispersos nas prateleiras, Hermann, já homem feito, lembrara-se de sua época de infância, em datas que sua pouca idade não o habilitava à escola.
Seu Pai que muito pouco lhe dera atenção, o presenteara com uma coleção de pequenos discos de vinil, no qual se narravam histórias com fundos musicais dos clássicos da literatura infantil. As ouvia num portátil toca-discos, que ao primeiro contato lhe parecia algo sem funcionalidade, entretanto, aquilo era uma pequena caixa com um tampo retrátil que se limitava a tocar pequenos discos, no qual, sozinho em seu quarto, ouvia aquelas belas histórias que o transportavam para aquele universo de contos infantis.
Tempos depois já rapazote, por ocasião de seu aniversário, recebera de seu avô materno alguns livros de uma coleção que se intitulava “Para Gostar de Ler”, no qual continha um cartão escrito com a seguinte frase: “Engatinhar, andar e correr. Este é o processo meu neto!”.
Eram livros simples e prazerosos que o conduziam a um novo universo, onde cada parágrafo, cada página o estimulara cada vez mais à leitura, no qual mais tarde o levariam aos clássicos da literatura mundial.
À medida que percorria as prateleiras quase vazias da livraria, lembrara-se do cartão que o avô lhe havia escrito, bem como do seu primeiro contato com aquele toca-discos, que tantas vezes escutara a pouca altura, para não chamar a atenção de seu pai e, ao mesmo tempo, não ser chamado à atenção por ele.
Não obstante, sabia que nada se comparava ao contato físico com o livro, a impressão, o odor, as ilustrações, as anotações à margem, o marulhar das páginas, e tantas outras sensações que os livros que o avô lhe dera, lhe permitiram sentir a partir de então.
Depois de desistir da incessante procura de um Hemingway que a muito pretendia, se dirigiu a seção de literatura infantil. Resolvera comprar um livro de contos adornado de ilustrações que agora então, iria ler e compartilhar com seu filho que completara quatro anos.
Percebera que nenhum livro infantil estava exposto, deparou-se com um livro que decerto alguém deixara na seção errada, era uma obra prima de Kafka, intitulada “A Metamorfose”, que trata do aniquilamento do homem moderno, da sua desesperança e alienação do mundo que não consegue compreender. Devido às circunstâncias, até parecia que Kafka estava no devido lugar, perdido e desconcertado, bem condizente em meio àquelas prateleiras abandonadas, onde acima se lia: “Seção de Literatura Infantil".
Voltou-se para o outro lado da seção e, ao invés de livros, deparou-se com uma grande quantidade de CDs, DVDs, propagandas de Audiobooks, e-books e tantas outras inovações tecnológicas, voltadas para aquela nova geração de “leitores”.
Desistindo da empreitada, seguindo em direção a saída, percebeu o aceno de um funcionário que vinha sorridente em sua direção, no qual só agora resolvera lhe dar atenção. Perguntou-lhe o que desejava, com um certo ar de quem já tinha a ponta da língua, um “não temos” como resposta.
Depois de pronunciar o que Hermann já imaginara, lhe propôs por alguns trocados, o envio por e-mail de um audio-book de Hemingway, no qual o “baixaria” de um Sítio que obviamente não tinha intenção de revelar.
Virou-se sem lhe dar resposta alguma, e após sair da livraria, Hermann profetizava um futuro bem próximo, onde os livros encadernados seriam um artigo de luxo, vendidos em antiquários, para uma seleta clientela de resistentes nostálgicos. “Correr, andar e engatinhar”, parecia ser a nova ordem inversa das coisas.

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